São Paulo e seu protagonismo na corda bamba

Matéria original: Hotelier News

Por: Nayara Matteis

Coração econômico do país, o cenário complexo que São Paulo se encontra é um retrato de incertezas para o futuro. Com as demandas corporativas minguadas e o segmento Mice paralisado e sem perspectivas de retorno a curto e médio prazos, a capital paulista vem tentando sobreviver com o turismo de lazer local, que apesar de seus esforços, são insuficientes para cobrir as lacunas deixadas por seus principais públicos.

Nos últimos anos, a cidade liderou nos principais indicadores do setor, tendo, por exemplo, a maior diária média do país, que historicamente sempre pertenceu ao Rio de Janeiro. No entanto, a pandemia parece ter mudado o panorama, correndo o risco de tirar o protagonismo da maior metrópole sulamericana.

Segundo dados divulgados em janeiro pelo FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), São Paulo encerrou 2020 com acumulado de 23,4% de ocupação, R$ 333 em diária média e R$ 74 em RevPar. Em abril, a entidade, em parceria com a HotelInvest, desenvolveu a 15ª edição do relatório Panorama da Hotelaria Brasileira, apontando queda de -66% de ocupação no ano passado e -12% de diária média em valores reais.

Dentre as capitais analisadas, a capital paulista foi a cidade que apresentou maior declínio em RevPar (-71%). No entanto, em valores absolutos, o indicador ainda ficou acima de outros destinos, como Curitiba e Porto Alegre, além de diária média 29% maior em comparação a capital paranaense.

Para Pedro Cypriano, sócio-diretor da HotelInvest, a pandemia não transformou o potencial turístico da cidade, o que dará chances do setor se recuperar. “Aqui estão as principais sedes corporativas de importantes empresas do país, grandes centros de eventos, além da maior diversidade e amplitude de oferta gastronômica e cultural. E nada disso mudou com a pandemia. Logo, uma vez controlada a doença e as restrições de viagem deixarem de existir, é natural que São Paulo recupere o seu protagonismo nos próximos anos. A dúvida é em quanto tempo esse processo ocorrerá. Enquanto viagens internacionais, de eventos e atreladas a grandes empresas estão travadas, é natural que destinos menores e, principalmente os de lazer, ganhem mais destaque”, pontua.

 

São Paulo: protagonismo em risco

Recentemente, a ABIH-SP (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de São Paulo) publicou estudo sobre o cenário atual da hotelaria no estado, apontando um momento de caos no mercado. Segundo Ricardo Roman Junior, presidente da entidade, a maior cidade do país não voltará a ser o que era antes da pandemia devido às mudanças sofridas nos setores que mais alimentam o destino.

“O corporativo mudou e os eventos também. Acredito que haverá um público novo chegando, mas não sabemos se essa demanda conseguirá cobrir a falta do turismo de negócios. Em contrapartida, São Paulo pode voltar até melhor do que antes. Cabe aos empresários aprenderem com as oportunidades e o setor hoteleiro saber inovar”, comenta o presidente.

Leonardo Rispoli, vice-presidente de Marketing, Vendas e TI da Atlantica Hotels International, mantém-se otimista quanto à recuperação da principal praça do país. “Enquanto São Paulo continuar representando parcela significativa da economia nacional, seguirá sendo protagonista em variados setores de atividade, e não será diferente para o setor de hospitalidade. O que houve em São Paulo foi uma queda brusca nas taxas de ocupação desde o início da pandemia, motivada por todo o contexto pandêmico que já conhecemos: restrições de viagem impostas por decretos, lockdowns e pelo receio da população frente ao número de casos e de mortes”.

Com oito unidades na capital, a ICH prevê um retorno forte no destino com a vacinação ganhando maior tração nos próximos meses. “Tivemos sinais no ano passado que é possível uma recuperação. As pessoas físicas estão viajando e mostrando que a população quer retomar essa rotina. Eventos menores e treinamentos devem ser substituídos, enquanto feiras, congressos e eventos de grande porte levarão mais tempo para retornar. Os hotéis terão que conhecer bem suas demandas e cada um reagirá de forma diferente no pós-pandemia”, observa Alexandre Gehlen, fundador da rede gaúcha.

 

Impacto nos indicadores

Além do panorama citado acima, as performances individuais também foram impactadas. Apesar do momento desfavorável, São Paulo continua com uma diária média 10% superior às demais praças em que a Atlantica Hotels está presente. “ O impacto em RevPar é significativo, sem dúvidas, mas continua sendo muito mais direcionado por uma queda expressiva de ocupação do que de diária média. Dentre as diversas iniciativas que implementamos ao longo desse período de pandemia, mantivemos ao máximo a nossa estratégia de precificação em São Paulo”, acrescenta Rispoli.

Já na ICH, Gehlen afirma que as quedas foram observadas em todos os indicadores, principalmente em empreendimentos urbanos. “Em São Paulo primeiro houve um declínio de ocupação e, em seguida, de preços. O que não foi diferente em outras capitais. Chegamos a ter recuo de 30%, 40% na ocupação de hotéis urbanos”, explica.

 

Reação do desenvolvimento

Mesmo que São Paulo não esteja em sua melhor fase, investidores seguem apostando no potencial da cidade. De acordo com o levantamento feito pela HotelInvest em parceria com o FOHB, atualmente a capital paulista possui 18 empreendimentos e 3.237 UHs em desenvolvimento. Da nova oferta, 43% é do segmento de luxo/upscale, enquanto 35% são unidades econômicas e 22% hotéis midscale.

Com quatro projetos em pipeline para a cidade, a Atlantica Hotels não alterou seus planos de expansão na capital. Entre os empreendimentos que devem ser abertos nos próximos anos estão o Hilton Garden Inn, na Avenida Rebouças, e o Radisson Pinheiros, na Rua Artur de Azevedo. “ Em adicional, estamos em negociação para futuros lançamentos na capital paulista, totalizando cerca de 500 unidades habitacionais de hotelaria, o que indica que investidores imobiliários e hoteleiros continuam acreditando na volta do setor e na competitividade do investimento frente a outras classes de ativos”, revela Ricardo Bluvol, vice-presidente de Desenvolvimento da rede.

O executivo ainda destaca que os investimentos em ativos hoteleiros são feitos a médio e longo prazo, o que dá maiores chances do mercado se recuperar sem afetar o desenvolvimento dos negócios. “Com a taxa de juros baixa, em patamares históricos, investidores tendem a buscar novas alternativas e, dentro desse contexto, as diversas classes de ativos imobiliários tendem a ser uma boa opção, incluindo produtos hoteleiros”, salienta Bluvol.

Em contrapartida, a ICH deixou momentaneamente de lado seus projetos de expansão para olhar para dentro e fazer reestruturações. “Difícil pensar em crescimento nesse período, mas estamos olhando com atenção os mercados de acordo com as necessidades do setor. Estamos seguindo nossos planos pré-pandemia dando continuidade aos hotéis que já estavam em obras e aos projetos que estão em nossa carteira, mas nenhum previsto para a capital paulista”, esclarece Gehlen.

O presidente da ABIH-SP complementa reforçando a necessidade de hoteleiros e investidores identificarem novas oportunidades de negócios para modernizar suas ofertas. “Os empresários precisam reinventar seus empreendimentos para atrair novos públicos. Rever suas UHs, infraestruturas, etc. Um exemplo é a chegada da WOJO, da Accor, ao Brasil. A proposta de coworking dentro dos hotéis é um tipo de inovação”.

 

Projeções de recuperação

Diante de uma situação atípica e volátil, os executivos ressaltam que é quase impossível não viver de futurismos. Entretanto, uma possível recuperação em 2022 é a aposta da maioria deles. “Acreditamos que o setor hoteleiro em São Paulo deve retomar seu protagonismo em termos de ocupação a partir do início de 2022. Com a população devidamente vacinada e as viagens corporativas retomando seu ritmo próximo ao normal, como já vinha acontecendo ao final de 2020, a recuperação do protagonismo é inevitável”, prevê Rispoli.

Cypriano pondera que o potencial de recuperação dependerá intimamente do calendário de vacinação e do tamanho da crise fiscal no país a partir do ano que vem. “Porém, é possível que cheguemos a patamares próximos ao do período pré-pandemia a partir do segundo semestre do próximo ano. E recuperada a ocupação, o desafio seguinte será retomar o crescimento da diária média. E esse é o ponto que mais me preocupa e que deve ganhar mais força a partir de 2023. Em RevPar uma recuperação total antes de 2024, em valores reais, só será possível se o país voltar a crescer de forma acelerada”.

Roman acredita que para retornar aos níveis pré-pandemia ainda serão necessários quatro longos anos pela frente. “Em um ou dois anos conseguiremos iniciar o processo de recuperação. Temos novos hotéis de luxo aparecendo e somos um polo cultural, gastronômico e de negócios. São Paulo chegará aos seus patamares anteriores, pois é uma cidade que oferece tudo, além de possuir equipamento hoteleiro para isso”.

 

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